sábado, 11 de agosto de 2007

História Descartável

O problema de toda história é ser contada depois do fato. [...]. Outro problema é o narrador. O quem, quê, onde, quando, e porquê do repórter. A parcialidade da mídia. Como o mensageiro formata os fatos. Aquilo que os jornalistas chamam de Guardião do Portão. A apresentação é tudo.” – Chuck Palahniuk


Em muitas tardes ensolaradas já me encontrei observando um saco plástico voar longe como se fosse um belo e destemido pássaro; em noites escuras e frias as sacolas me seguem por ruas tomadas pela ventania; em outros momentos, lá estão os seres sintéticos que em algum momento de suas existências fizeram parte da vida de algum ser humano, porém agora, apenas dançam no ritmo silencioso e secreto dos redemoinhos de becos sujos e fedorentos tentando ser mais do que sua efemeridade renovável permite, contudo, sempre falhando, sempre a mercê de onde o vento os leva... Como nós. Sempre sendo usados e descartados... Como nós.

Percebi então que as sacolas são personagens de nossa vida – ou de suas próprias e o quanto temos em comum. O quanto as usamos e depois as esquecemos. Elas carregam nossos objetos de desejo - consumado - das lojas até nossas casas e então... adeus. Um ser tão necessário para nosso sistema de vida e ao mesmo tempo tão dispensável. Era assim que me sentia nesse último outono por diversos motivos. Essa coisa de se sentir mal consigo por não saber o que as pessoas sentem por você, fazendo bem-me-quer, mal-me-quer, sem saber se está sendo usado. Ou se é um inútil. Mmm... Você já se sentiu assim? OK, então já temos mais alguém pra formar uma banda emo.

Bem, pra mim é isso que faço numa história, tento mostrar alguma coisinha de como me sinto, do contrário, acaba saindo algo falso e pretensioso. E tenho uma predileção por personagens incomuns. Pensar como vivem, têm sentimentos, se gostam, se apaixonam, se machucam, se matam, se recriam. Tá, pode ser como nas aulas de ciências da 5ª série: nascem, crescem, reproduzem e morrem, ou algo assim.

Eu queria uma história comum. Banal. De qualquer novelinha, ou Sabrina da vida. Pois até uma história que não é grande coisa pode ser interessante. Como Nelson Rodrigues fazia, por exemplo (Ó a pretensão!). Mas não queria quadrinizar uma peça dele, só usufruir a base de A vida como ela é: uma mulher que foge do marido para transar com o amante, então o marido pega os dois juntos, briga com o amante que morre em seguida, para então a mulher voltar para seu marido e cuidar do novo filho (de quem?).

Storyline bagaceira definido, vem toda a treta visual.

Sempre fui um viciado em hachura e rabiscos, então nessa daqui me desafiei a não fazê-los. Tive que me segurar em alguns momentos.

Uma coisa que sempre adorei na Turma da Mônica é aquele tipo de história silenciosa em que os personagens não falam – ou se falam, é por meio de desenhos, sinais ou símbolos.

(Engraçado, detonam a Mônica, só que eu vejo mais experimentação em linguagem de quadrinhos lá do que em muita tranqueira por aí... Chega de falar do gosto pessoal. Já estou me sentindo um colunista frustrado)

Isso foi, embora complicado, outro desafio prazeroso, não dar a papinha mastigada pro leitor e obrigá-lo a preencher as lacunas sonoras por ele mesmo, nada de balão ou onomatopéias. Só que assim você perde um item valioso e viciante, contudo tem suas vantagens. A leitura visual é universal (se é que isso existe). Não precisa de tradução. Aqui, no Congo, Japão, EUA, Itália vai ser a mesma coisa. Bom ou ruim em quaisquer lugares. Também percebi que seria desastroso colocar sacolas falantes. Queria evidenciar a subvida silenciosa das sacolas que acontecem aos nossos pés, não transformá-las em um conto maravilhosamente bizarro de Jan Svankmajer. Nem conseguiria. Tentei valorizar outras formas de comunicação.

Para dar-lhes os sexos, por exemplo, fui rasteiro: mulher/flor, marido/saco preto, amante/sapato e filhinho/tênis. Outra forma de comunicação que me ajudou bastante foi o ambiente, ou cenografia se preferir um termo mais cinematográfico (tsc, tsc, tsc), e que é um recurso muitas vezes esquecido. E potencializa em x qualquer alegoria.

Algo que quis plagiar desgraçadamente foi uma página (típica dos quadrinhos Bonelli) de uma história do Nathan Never, 11° Mandamento, em que Nicola Mari picotava uma cena de sexo gratuito (e silencioso) em pequenos quadros gráficos gostosos de se ver e rever. Enchendo de preto cada quadrinho para gravar o movimento dos corpos em branco.


Ah! Preste atenção no primeiro quadro dessa, como diria um amigo, “cena de sexo sacal”... Ela foi censurada! Veja o original e a versão impressa. Rá rá, ficou um traço branco. Provavelmente foi algo na gráfica. Ou minha editora Roberta é tão limpinha que quis vetar essa cena ardente da história.

O da esquerda é o original e o da direita, o impresso









Depois, o tempo fecha. Começa a chover e o marido chega e briga com o amante, um carro vem se aproximando e a chuva vai aumentando.

Merda, minha grande frustração como comunicador é essa parte. “O que aconteceu aqui?”, pergunta um amigo. Ele não é burro. Eu deveria ter tornado essa parte mais dinâmica, eu não sei. Todavia gosto daquela imagem da mulher na chuva, molhada, e chorando - como uma sacola pode.

Talvez tenha sido um corte narrativo muito rápido. O amante morre e depois vemos outra mudança de ambiente, onde aparecem, como pássaros, o casal que agora tem um bebezinho que...


Ah, aliás, fiquei com muita dúvida de como encerrar essa história. Até mesmo por ter pensado em dar continuidade. Fiquei com a seguinte dúvida: ponho o símbolo de não retornável ou o de reciclável? Termina aqui ou continuo algum dia essa história? Acabei optando por encerrar mesmo.


O que mais gostei e achei interessante em termos técnicos nessa HQ foi a falta de texto mesmo. É muito complicado. Muito. Aliás, digo isso também como leitor, porque tenho o cérebro um pouco atrofiado, geralmente leio o texto e já passo pro próximo balão sem reparar no resto.

Acho que aqui se encaixa aquela frase do Palahniuk. Sem a escrita ou termos superficiais que formatam e apresentam uma personagem e situação do tipo o “Lobo mau”, “a linda menininha andava...”, “uma doce melodia soa” (Nunca entendi essa definição sonora, não consigo imaginar o flautista de Hamelin tocando Ramones, que pra mim é doce) e outras falcatruas de escritor que tiram a graça da composição da imagem. Claro, as imagens também podem ser manipuladas, mas, sem o texto é mais difícil. Putz, eu não sonhava a complexidade da coisa. Olha, Clap clap clap pros mímicos.

Bem, terminando minha participação aqui, espero que goste de ler essa pequena história da Garagem Hermética número 3, porém, se não tiver gostado, não tem problema. Faça com ela o mesmo que faz com as sacolas plásticas.

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1 Comentários:

Às 11 de ago. de 2007, 07:38:00 , Blogger Edu Mendes disse...

Como eu já disse quando li essa Hq, essa é minha história preferida de todas as garagens até agora.

 

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