segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Conversa de Menina

Este é o primeiro texto do que, eu espero, venha a ser uma coluna semanal. Uma coluna despretensiosa, escrita por uma moça que é, na verdade, uma neófita dos quadrinhos e que está deslumbrada com toda a jornada que tem feito desde que se meteu com esses loucos! Para quem não me conhece, eu sou a Roberta, editora do Garagem Hermética. Sim, uma menina editando quadrinhos, eu sei, parece mentira! Ou pelo menos é isso que eu ouço quase sempre.

Muito se fala (na verdade, os meninos falam muito) da ausência de mulheres nesse meio. Eu mesma só fui resgatar o meu interesse pela nona arte há pouco. Por isso mesmo, acho que entendo um pouco das razões que fazem com que as mulheres, no geral, não se interessem por quadrinhos. Sendo assim, no melhor estilho high fidelity, achei que não haveria forma melhor de iniciar uma coluna que pretende conversar com pessoas não tão entendidas assim no assunto e que muitas vezes se assustam com o purismo dos nossos companheiros de sofrimento do que fazer uma lista com alguns dos motivos que, eu acredito, colaboram para que as garotas tenham dificuldade de se identificar com HQs.

1. Supers
Sim, eu sei, histórias de super-heróis são legais. Eu mesma adorava o Fantasma, no seu uniforme vermelho-que-deveria-ser-roxo, Homem-Aranha e Batman. Mas, do mesmo jeito que as meninas não passam a infância brincando de carrinhos, elas não são assim tão fãs de destruições planetárias contínuas. Culpe a sociologia, mas o fato é o que é. E, quando você pára em uma banca de jornal, quais são as revistas que você vê na frente dos mangás? As de super-heróis. Se você acha que o universo se resume a isso, quer dizer que você não vai entrar na livraria e perguntar por quadrinhos, vai?

2. Ausência de Follow-up
O público médio não entende a genialidade dos quadrinhos. Não enxerga que desenho é arte e texto é literatura. Não compreende o quanto é boa a associação da imagem com as palavras, criando sinapses inimagináveis no cérebro das pessoas. Mas as mães, em geral, acreditam que os gibis são uma ótima forma de distrair as crianças, o que significa que nós temos um universo gigantesco de potenciais leitores de quadrinhos. Por isso, nossos maiores hits sempre foram Disney e Turma da Mônica. E a criançada adora os desenhos, que contam a história mesmo que ela ainda não consiga ler o texto. Isso é narrativa, não é?

Acontece que um dia todo mundo cresce e a Turma da Mônica e o Tio Patinhas, com todo o venerável respeito que merecem, passam a não ser mais tão atrativos. E cadê o mercado editorial provendo quadrinhos adequados às diferenças que se estabelecem entre as criaturas homem-mulher no início da adolescência (e que, em muitos casos, perduram até o fim da vida)? Os meninos migram para os supers e as garotas... Não havia muitas opções. Até agora. De uns tempos para cá, com o movimento Emo invadindo todos os meios de comunicação, a temática em geral ficou mais feminina, por assim dizer. Ou você vai dizer pra mim que os gêmeos não fazem quadrinhos pra meninas?

3. Preconceito
Nesse quesito, os quadrinhos apanham de todos os lados. HQ é coisa de criança, se não é de criança é de menino, se tem desenho não é literatura, se é produzido a toque de caixa para sair todo mês não pode ser bom, se o cara produz vinte páginas de desenhos por mês não pode ser arte, tem pouco texto, tem muita imagem, e por aí vai. Realmente, muita coisa ruim já foi publicada nesse mundo. O mesmo se pode dizer de obras de arte, música, literatura e qualquer outra coisa que vc pense que possa ter alguma mínima relação de comparação com os quadrinhos. Ninguém resolveu educar o povo de fora sobre o quão relevantes e profundos podem ser a arte e o texto contidos naquele livrinho miserável. E, fator importante, isso não interfere apenas na percepção das mulheres sobre os quadrinhos: interfere na dos homens também.

4. Falta de acesso
Sim, parece mentira, mas é verdade. Agora, a gente acha quadrinhos para todos os gostos com relativa facilidade em uma cidade como São Paulo, mas a gente esquece que só existem mais duas ou três cidades como esta no mundo. A verdade é que há lugares aos quais as coisas simplesmente não chegam. Muito do que se produz de quadrinhos no Brasil é produzido de forma independente e se a galera não se vira com a distribuição o pessoal da Paraíba não vai ler o que está sendo publicado, com excelente qualidade, em Curitiba. Sem opções de escolha, como você escolhe?

Claro, tem um monte de outras variáveis envolvidas nesse processo, mas essas razões me parecem as principais. Os quadrinhos são, indiscutivelmente, uma manifestação cultural de peso e, do meu ponto de vista, cultura é tudo. Hoje, me espanta todo mundo achar Heros genial e não saber que o cara teve que ler Alan Moore para chegar naquele produto final (e, só para constar, isso não é uma crítica: eu adoro Heros!). Todo mundo deveria conhecer o Alan Moore. Inclusive as meninas!

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